De censura a “casal gay”: a curta (e polêmica) passagem de Donizetti Adalto e Carlos Morais pela TV do Maranhão

Após mais de 2 décadas mantendo o programa em arquivo morto, a Rede Meio Norte resolveu puxar do que sobrou dos seus arquivos os registros do “MN 40 Graus” sob o comando de Donizeti Adalto e Carlos Morais. A série “O Tiro da Injustiça”, apresentada por um indivíduo que tenta ser o novo Donizetti em termos políticos mas que já tomou uma sacolada do eleitorado cearense em 2020, foi convenientemente proibida de ir ao ar um dia antes de sua estreia, pelo principal acusado de ser o mandante do assassinato de Donizetti: Djalma Filho. Talvez a única novidade nisso tudo sejam as raras imagens de arquivo da MN desse período, mas enfim.

Poucos se lembram, porém, que antes do sucesso estrondoso do MN 40º, a dupla de apresentadores paranaenses também teve uma breve e conturbada passagem pelo território maranhense. Com relatos e pesquisas em jornais da época, buscaremos elucidar como foi essa passagem e porquê os dois não vingaram por lá.

CHEGANDO EM TERRA NOVA

Em meados de julho de 1992, a então TV Ribamar canal 6 de São Luís – MA (afiliada à Bandeirantes, hoje TV Cidade/Record) contrata Donizetti Adalto e Carlos Morais para apresentarem o noticioso “Jogo Aberto”, na faixa do meio-dia. Os dois vinham de um bem-sucedido projeto na TV Timon, com o programa “Comando do Meio-dia” e o jornal impresso “Comando”, que embora em tiragem menor, competia com “O Estado” do empresário Paulo Guimarães (antigo empregador da dupla de apresentadores).

Seguindo a linha do “Comando”, o Jogo Aberto fazia a cobertura da política maranhense, com entrevistas, reportagens e debates. O formato, no entanto, desagradou não só a classe política, como também a jornalistas de outros veículos de mídia. Ataques e declarações hoje vistas como homofóbicas dirigidas a Donizetti e Morais permearam as páginas dos jornais impressos de São Luís durante a passagem da dupla.

A CENSURA

Foto publicada no jornal “O Debate”, mostrando a censura no programa “Jogo Aberto”

Em 20 de julho de 1992, quem esperava assistir o “Jogo Aberto” na TV Ribamar se deparou com uma tela preta, o nome CENSURADO escrito em caixa alta e músicas de protesto. Foi a saída encontrada por Donizetti Adalto e Carlos Morais para atender à determinação do juiz Liciano Carvalho, a partir de pedido da promotora Selene Coelho Lacerda.

Dias antes, um anúncio nos jornais da capital maranhense divulgava uma série de entrevistas com os candidatos à prefeitura de São Luís no programa. A cada dia, 3 candidatos se confrontariam e debateriam suas ideias e planos de campanha, tudo com a mediação de Donizetti e Carlos. Para o dia 25 de julho (sábado), estava programado um grande debate com os 12 candidatos, no horário do meio-dia.

Antes do grande debate ser realizado, a promotora eleitoral Selene Coelho Lacerda ordenou a suspensão do “Jogo Aberto” por violar as normas reguladoras da eleição de 1992. Segundo ela, o programa não poderia divulgar o debate muito menos divulgar pesquisas de intenção de voto antes do prazo estabelecido. O pedido foi acatado pelo juiz Raimundo Liciano Carvalho, e entregue à TV Ribamar no dia 18 de julho.

No entanto, Carlos Morais declarou em entrevista ao jornal “O Debate” que a TV Timon já havia realizado seu debate e divulgado pesquisas à época, o que não justificava a proibição. Para ocupar o espaço do Jogo Aberto, a equipe do programa colocou um slide de CENSURADO e várias músicas anti-ditadura como “Apesar de Você” e “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores” em repúdio à decisão.

Carlos ainda chamou a medida da promotora eleitoral de “precipitada e antidemocrática”. Após isso, a TV Ribamar tentou recorrer da decisão junto ao TRE e garantir a veiculação tanto do Jogo Aberto como dos debates anunciados. Uma nova data foi anunciada para a veiculação do debate, mas não foi possível encontrar registros da exibição.

O CARINHO DA IMPRENSA

Desde a chegada de Donizetti Adalto e Carlos Morais à terra de José Ribamar, ataques não faltaram para descredibilizar o trabalho da dupla. A coluna “Sintonia Grossa”, do Jornal Pequeno, foi a que mais bateu nos dois, apelando até pra homofobia como forma de ridicularizar os jornalistas.

Sobre Donizetti e Carlos, o Jornal Pequeno pontua no dia 30 de agosto de 1992: “Nas emissoras (…) de São Luís acontece coisa que até o diabo duvida. As importações estão cada vez mais infelizes. (…) Agora trouxeram os moços delicados Donizete Adalto e Carlos Moraes que estão deixando falações de terceira categoria na TV-Ribamar (…) estão fazendo rádio na televisão. Parece que os dois não sabem disso porque vieram da TV-Timon do seu Hugo Napoleão. O Donizete pegou uma carreira do senador Lucídio Portela e o outro veio a reboque. (…) Mas voltando ao assunto principal, os gays, ou melhor, perdão, os comunicadores da TV-Ribamar, Donizete e Moraes precisam tomar um chá de semancol. Mesmo tendo apenas meio por cento da audiência, não é admissível que a TV-Ribamar continue nessa linha de jornalismo de quinta categoria. Não é pela televisão, mas pela cidade de São Luís e por seus cidadãos que merecem respeito”.

Outro recorte do Jornal Pequeno da época aponta os processos sofridos pelos jornalistas: “De repente descobrem as coisas das pessoas que chegam aqui com onda de moralistas (…) Não é que a dupla Donizete Adalto e Carlos Moraes tem contas a ajustar com a justiça? Os dois que tomaram conta do horário do meio-dia na TV-Ribamar são acusados de falsário e estuprador, respectivamente, em Teresina”. O impresso ainda replicou matéria do extinto “Jornal do Piauí”, sobre um processo que os dois sofreram por suposta falsificação de assinaturas de três jovens de Parnaíba que eles apadrinharam e trouxeram para Teresina. Nesse caso, assim como em tantos outros, foi provada a mentira e nem Donizetti nem Carlos foram indiciados.

PASSAGEM RELÂMPAGO

Depois do “Jogo Aberto”, Donizetti Adalto e Carlos Morais foram realocados pela TV Ribamar para apresentarem o programa “Cidade Aberta”, em setembro de 92. Ainda vasculhando as páginas empoeiradas do Jornal Pequeno, é possível encontrar uma nota do início de outubro de 1992, comemorando a saída dos dois da emissora. “Os dois palhaços saíram da TV-Ribamar. Estão cantando em outra freguesia. Todo mundo sabia que aqueles dois não durariam muito tempo. Mas da TV Ribamar tudo se espera. Os dois podem voltar no segundo turno, para trabalhar para quem pagar mais.”

E eles não voltaram ao Maranhão, pelo menos pras bandas da capital. Em 1995, como parte do rebranding da TV Timon que virava Meio Norte, os dois assumem o comando do “MN 40 Graus” para se tornarem fenômenos de audiência. O resto é história.

Esta matéria teve a colaboração de João Batista

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